CONVERSANDO COMIGO
Autor: Nilton Bustamante
Eu falo de mim, porque falo comigo o tempo todo
− Tento me conhecer −
Eu falo do mundo, porque falo com o mundo o tempo todo
Olho raso, olhos fundos e vejo que o mundo tem um olho em todo lugar
Eu acompanho tudo que se move, tudo que para, para aprender,
Saber algo mais, quem sabe alguma escada,
Alguma sacada − ideia ou mirante −, alguma ponte para o lado de lá?
Tenho pressa, mas minha pressa tem todos os tic-tacs do mundo
Uma hora é tempo demais, outras é certeza
Que não se tem nada,
Em algum momento é canção, dessas que a gente quer ouvir pra sempre,
Outra hora é bomba que ameaça explodir nas próprias mãos.
Não tenho mais tempo para aprender a tocar piano, nem pra cantar
Se bem que, em meus sonhos, canto e toco
Música clássica, ópera,
Pelo menos isso, essa outra dimensão, esse supra, esse inconsciente,
Esse sei lá o quê?,
Essas fatias,
Essas composições do solo que formam ao longo da existência todo o ser...
Tenho tempo para aprender o francês, mas a Aliança Francesa quer algo em troca,
E eu só tenho poesias, quem vai querer?
Não tenho medo do escuro, mas continuo ascendendo, acedendo interruptores
Cada vez mais altos
Cada vez mais a um dedo do alcance
Estico-me todo dentro de mim pra amanhecer
E não tenho medo da morte, mas tenho medo de me esquecer de mim
Tanto
Que falo de mim, porque falo comigo o tempo todo
Não sou sábio, nem tonto,
Quero aprender do que são feitas as palavras, esses códigos, esses ícones repletos de sons e sentidos,
Cada um desses portais
Que se abrem, que se oferecem, que se entregam
E eu tento entender pra saber o que há dentro e fora de mim
Se há algo que eu possa aprender, algo a oferecer...
Ah, preciso dizer antes que me esqueça,
Entrar nos olhos dos olhos de todos os olhares
Sem pedir licença, sem bater à porta, sem bater a porta,
Tenho curiosidade com esses brilhos
Tenho fascínio
Tanto pra viajar, visitar os lados intocados da alma,
Tanto pra ficar beira de lago, beira de rio e ficar olhando as águas passarem
E ouvir o que falam, o que tentam murmurarem...
E se um dia não encontrarem as palavras diárias, dos diários do mundo
Que tento escrever, que tento trabalhar
Construir algo
Ajudar algum sentimento se manifestar
É que me encapsulei, virei algum tipo de nave, fui cósmico dentro de cada ser ou não ser diante de um crânio de caveira
Pelo caminho
E fui da borboleta ao casulo, e me transformei em algum tipo de poeta vagamundo...
Porque tenho pressa, mas minha pressa é outra, não é deste mundo...
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Jean-Luc Ponty - Mirage
https://www.youtube.com/watch?v=bKkMvBvyqvE&list=PLA76222610C5A8B0A
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