sexta-feira, 6 de maio de 2011

SCHUBERT, A CIGARRA E A FORMIGA


SCHUBERT, A CIGARRA E A FORMIGA
  autor: Nilton Bustamante

Quando pequeno vez ou outra via pela avenida principal cortejo fúnebre. Longa fila de automóveis. E quanto maior, mais importante parecia ser o recém despedido da vida.

Quando pequeno vez ou outra pensava eu que o cortejo que seria meu, teria que ser o maior que aquela avenida já presenciara. Maior que minha angústia e solidão. Mais que meu ego, queria eu o mais que poderia ser.

Hoje percebo que antes eu precisava ser tantos e tantas, que todos aqueles caminhos, brilhos em meus olhos, eram mais que caminhos, labirintos; aqueles milhões turbilhões ficaram distantes, hoje busco o prumo em direção a Deus, sem fanfarras, sem alardes, sem mil testemunhas, sem fantasias, que minha hora, a partida, tenha por companheira uma prece, a paz e nada mais.

Quando comecei a querer amar entrava pelos olhos que encontrava, queria saber de onde vinham tais enigmáticos fascínios que me hipnotizavam. E o mundo era de tantos olhares, tantos diferentes brilhos que me perdia e não sabia mais voltar.

Quando comecei a querer amar queria apenas a Lua e seus infindáveis furos, voar pelas músicas, adormecer até acordar no colo do ser amado, da tão sonhada namorada.

Hoje percebo que antes eu precisava ser tantos e tantas, que todos os caminhos de todos os olhares eram labirintos; aqueles milhões turbilhões ficaram distantes, hoje busco o sentido que me leva à alma o ser amado, minha mulher,  a tal sonhada namorada.

Quando comecei a escrever com a ponta do coração, queria entrar pelos livros e deixar minhas letras, minhas palavras, caligrafia da alma. Queria eu ser muitos livros, muitas tardes e noites de autógrafos. Mais que meu ego, queria eu o mais que poderia ser.

Hoje percebo, ah, finalmente percebo e rio de mim. Antes de ser mil livros, ser Drummond, ser Vinícius [de Moraes], falar para mil olhos e ouvidos, declamar para mil plateias ateias, faz mais sentido o coração livre e sincero de desconhecida cigarra ouvindo Schubert e declamando despercebida para única e silenciosa formiga.





...
More Brendel: Schubert Op. 90/3
 http://www.youtube.com/watch?v=GkX4MyDeIqI&



...

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário