quarta-feira, 12 de março de 2014

"MISTY"


“MISTY”
Autor: Nilton Bustamante

Agora a pouco me deixei levar por algo que a madrugada oferece, mas não mostra, não deixa nas prateleiras, nem nas gavetas... Mas, preciso de um trago, e o meu trago é música, Sarah Vaughan deslizando “Misty” pelos meus cantos.

Já que estou descalço, quero dançar, no meio da sala, pode ser nas esquinas, pode ser qualquer lugar, no banheiro, no jardim, desde que haja noite, desde que seu rosto encoste ao meu. Ah, estar descalço é estar nu, é entrega, é intervalo, é liberdade, é ser índio, é sentir os sentidos tocando a pele e um pouco mais.

Você e eu, nesse imenso e inconfundível silêncio, essa nebulosidade de tanto a dizer, e não querer falar nada, tocar apenas com os olhos o que se vai por outros esconderijos, por outras miragens, outras vertigens... Você e eu, e nossa maneira de ser, fazer manhas, raspando minha barba por fazer em seus seios que não me deixam, não me deixam em paz...

Esses encontros madrugadas, são para saltar felicidade de altos trampolins, é perigo constante, é frio percorrendo todos os caminhos, e mesmo assim esse gosto de bis, esse gosto de querer mais e um tanto mais, mais e mais, deitar no tapete com os pés no sofá, olhar para o teto, contar carneirinhos, rir à toa, tal é essa coisa, esse modo de tecer momentos e colocar nas paredes, pra ficar grude, pra ficar por perto, e depois lembrar...

Ahã, essa canção... Acho que fiquei assim, zonzo, rodando, vendo você ir e voltar, roda-coração, esse balanço, esse trapézio, esse descuido, essa vontade de beijar baixinho, vendo filmes-cobertores avançando pelas claridades das manhãs, sem os sustos, sem os medos, sem explicações na ponta da língua, sem bater cartão do tudo igual, apenas você no meu colo, mas não quero boneco de ventríloquo, quero sua libertação para você usar sua própria voz, fazer de sua língua o que bem quiser, beijo ou malcriação, tudo o que desejar... A anarquia nesses momentos cabe tão bem, sem saber o que virá do outro, dois desiguais, dois estrangeiros que se encontram e deixam a natureza conduzir a orquestra de nós dois... Você sabe bem o que é isso, não é mesmo, meu bem?

Ah, meu amor, o mundo, o nosso mundo, precisa mesmo desses dias madrugadas, ouvir “Misty” e esperar amanhecer sem pijamas, apenas descalços e bêbados de amor...

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Sarah Vaughan: “Misty”
http://www.youtube.com/watch?v=yJ-9IBZaydQ

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