segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ENCONDESENCONTROS



ENCONDESENCONTROS
            Nilton Bustamante

Em desdobramento meu espírito estava em um veículo, seguia por uma avenida muito longa.
Ao deparar-me com cada irmão “caído”, abandonado nas calçadas, intuitivamente diante desses eu sinalizava com uma marca de “tinta fluídica”. Um a um, a sinalização.
Sabia em meu íntimo que cada “marcação” seria observada por outros Irmãos benditos que viriam socorristas, em equipes.
Dentro de mim a certeza: o Bem logo viria em ação salutar para os “marcados”.

Quando senti que não poderia mais seguir à frente, pois o longe já se apresentara, eu não poderia continuar, seria muito perigoso, desci desse veículo.
Alguns irmãos que estavam por ali, tinham aspectos temerários. Perguntei a um deles qual o ônibus que passava na região para meu retorno? Percebi que eu não portava nenhum dinheiro para a passagem do coletivo, então pedi, o que foi-me atendido. Estava eu com uma nota de dinheiro às mãos. Antes que pudessem falar o nome da condução – estavam com dificuldades em responder – vi um coletivo chegando e sem saber o nome, entrei logo e fiquei no último banco. Nem precisei saber pra onde era o seu destino, apenas me fixei no sentido viário, que era o do sentido do “retorno”. Isso era tudo o que me importava. Aparentemente, qualquer lugar seria melhor que aquele onde me encontrava.

Em determinado momento, a avenida se estreitou, tornou-se sem asfalto, e dois grandes lagos chegaram às margens. Olhei para um deles e vi um cobra extremante grande e grossa chegando, mansamente, sem aparentar perigo. Foi o tempo de passarmos, essa cobra em um único impulso voou por cima da estrada e mergulhou no lago oposto. Pensei no perigo, preocupando-me, mas, ao mesmo tempo, aliviado por estar fora do alcance do insólito.

Em uma parada de ônibus subiram algumas pessoas; um menino com aparência desses que estão abandonados pelas ruas pediu-me aquele dinheiro que estava acolhido em minha mão. Entreguei-lhe sem problema algum. Ele pagou a passagem dele e de outro homem. Pedi o troco. Devolveu-me algumas moedas.

O ônibus seguiu, avante.

Mais alguns instantes depois o motorista começou a ordenar algo. Notei que começaram a aparecer dezenas de cobras; todas sendo preparadas pelo condutor para algum propósito nada cristão. E um casal, nu, começou a levitar e fazer sexo ali perto das peçonhentas. A cena não era nada agradável.
Olhei para fora e percebi que, apesar da escuridão-madrugada, imagens conhecidas estavam chegando. Eram as do Parque do Ibirapuera.
Chegou o momento de eu cair fora, pensei.
O cobrador do veículo estava distraído vendo o tal espetáculo, então sai sem respirar, para não chamar a atenção de jeito algum, desci pela porta detrás. E para ninguém me ver,  nem o motorista pelo retrovisor, segui em direção contrária. Camuflei-me com o sobretudo da noite.

Comecei a andar...

Uma voz muito conhecida por mim, veio em sentido oposto. Era um casal. O dono da voz, um cantor e músico que eu havia trabalhado profissionalmente até a pouco tempo. Estava ele com uma jovem, loira, com o frescor da ingenuidade. Ele articulava as palavras com o seu jeito peculiar que envolve a todos, jeito de bom moço.
Mentalmente exclamei o seu nome.
Voltou-se ele em minha direção. Sempre mentalmente,  disse-lhe que estava com saudades.
Respondeu-me que queria que eu falasse com uma certa pessoa, a mesma pessoa que atua com falsas intenções, vibrando sempre pérfido, desarticulando almas e corações. O espírito do artista estava unido à essa pessoa, apesar de sofrer incríveis traições dessa última.
Não adiantava o que eu pensasse ou falasse, ele somente dava ouvidos aos seus próprios caprichos. Pegou o celular, mas a ligação não se completou.
Aproveitei, e disse-lhe que não iria falar com essa “tal pessoa”. Se algo eu tinha para falar era com ele mesmo (o espírito do artista).
E disse mais:  vocês dois estão ligados na mesma sintonia, pois, moralmente, são parecidos. Estão juntos por interesses escusos de parte a parte. Enganam-se, ao mesmo tempo, um querendo tirar proveito do outro.
Havia na alma do artista interesses outros, que desejam que assim fosse.
Com nada se importa, nem com qualquer pessoa; em seu coração não há respeito, comprometimento sincero, nenhum vínculo de consideração, pois, a qualquer momento, conforme seu interesse para alcançar seus objetivos, muda de lado (feito aquela cobra, com aparência mansa, passando de lado a outro).
Espiritualmente, pude perceber que absolutamente não se importava, com ninguém... Somente o egoísmo disfarçado, que nos acontecimentos da vida vão-se cada vez mais ficando à mostra. E chegará o tempo em que muitos outros enxergarão o que estou vendo agora.

Nesse instante, ao terminar as minhas mentalizações, eu mesmo quis favorecê-lo em amenizar os meus comentários.
Finalizei: você deveria tomar mais atenção e analisar melhor os seus pensamentos e sentimentos, pois você não é má pessoa...

Nisso um irmão da Espiritualidade Bendita aproximou-se e completou vibrando a frase em meu ouvido:   
não é má pessoa, mas aperta o gatilho.

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

DEIXA DE LADO


DEIXA DE LADO
Nilton Bustamante

Deixa de lado...
Deixa de lado essa coisa que tudo tem que ser pra valer
Deixa de lado
O que vai pesando não te deixa fazer
O que se tem vontade

Você não vê?
O que teu coração pede pra fazer já é pra valer a pena
Você não vê?
Deixa teu coração marcar o samba
O que se tem vontade

Cio da terra que vem úmido, que vem quente
Molha o solo, abre o chão
Pra receber segredos
Que somente teu coração vai saber

O cio vem sempre quente e sempre molhado
Abre as pernas fica no chão
Pra receber segredos
Que somente meu coração vai dizer

Deixa de lado...
Deixa de lado esse tudo ou nada
E venha ser feliz
Que pra ser feliz é preciso aceitar... felicidade
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CHOVE FORTE AQUI DENTRO

Chove Forte Aqui Dentro
autor: Nilton Bustamante

Chove forte em meu coração
Sem luzes pra acender
Fiquei tão por aí
Tão por aí...

Quero falar mas não sai quase nada,
Nada eu entendia
Nem mesmo sabia
O que se passava
Chovia forte em meu coração
Tristeza no olhar
Parecia coisa antiga, você até disse algo
Um dia...

Fiquei tão por aí sem saber aonde ir
Se deveria voltar
Se deveria seguir

Me dê sua mão, vamos esperar
Essa chuva forte passar...




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Passenger | Ain't No Sunshine ( Bill Withers )
https://www.youtube.com/watch?v=trNNye9w4lk


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PEDAÇO DE PAPEL

modelo: Carolina Novak (mãe)
foto by   Helena Novak   (filha)


PEDAÇO DE PAPEL
  Nilton Bustamante


um pedaço de papel, o que já foi um dia folha de caderno...
um pedaço de papel com pedaços de letras...
um recado, uma receita, desenho de criança...

onde eu guardarei?
onde eu deixarei?

onde pra me lembrar que estou assim, desse jeitinho, um pedaço de papel, querendo que me escrevam, que me desenhem e me guardem num canto qualquer?


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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

UMA VEZ PRECE DE AMOR, PARA SEMPRE LUZ




UMA VEZ PRECE DE AMOR, PARA SEMPRE LUZ
    Autor: Nilton Bustamante (em desdobramento da alma)

Em desdobramento, ao orar aos meus avós paternos que retornaram há muito à Pátria Espiritual, estava eu feliz por saber que, intimamente, a Luz que poderia se manifestar em prece, filete que fosse, do meu coração iria beneficiá-los. Não estariam esquecidos.

Nesse exato momento, a Espiritualidade Bendita mostrou-me que assim estava acontecendo porque essa Luz que habitava o meu coração, filete que fosse, estava agindo em contínua expressão, pois foram eles, meus avós paternos que outrora depositaram em mim preces de amor.

Meu coração, transformado em um instrumento côncavo, ao receber o carinho e preces na condição de neto, pelas Leis Universais, estava, agora, reenviando essa Luz do Amor aos seus emissores, acrescentadas com o sentimento de minha gratidão.

E nesse exercício de amor entre irmãos, formam-se verdadeiras constelações de corações enviando e reenviando uns aos outros preces de Luz sem-fim, sempre acrescentadas de mais carinho, mais atenção, bem-querer, luz em repetidas direções.

A oração é luz em expressão!
O Amor é Deus falando por nós!

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sábado, 22 de janeiro de 2011

É TEMPO DE SE APAIXONAR


É TEMPO DE SE APAIXONAR
Nilton Bustamante

Onde se quer chegar?

Olha-se compenetrado janela afora, bate-se contra a vidraça transparente.

Da mesma forma olho para o céu chuvoso convidativo para um passeio de amor; trombo contra a realidade transparente, mas que está rígida impondo limites.

Uma volta, um vôo, uma pequena fuga repleta de excitação. É uma ida sem tempo, sem memória, um encontro com a paixão.

Um alô ao “Pequeno Príncipe” que está em seu planetinha. Preciso aprender algo mais sobre “jibóias e elefantes”; algo mais beleza dos sentimentos – não se precisa aprender o francês, o bom príncipe é universal.

Dê-me logo seu pescoço para chupar-lhe os desejos. Não tenha medo. Não sou vampiro, não tenho capa, nem caninos acentuados - sou apenas um homem. Quero sua jugular, do veneno do seu receio, de suas dúvidas, das suas contradições ao dizer não e sim ao mesmo tempo.

Ao fechar os olhos vejo nós dois voando pela noite romântica, entre sorrisos cúmplices, e ao amanhecer fazendo o desjejum num hotel dos Jardins.

Onde chegar?

Qual a dosagem, qual a coragem?

Somos totalmente livres, ou nossa liberdade é vigiada?

Precisamos de céu aberto na noite escura para encher os peitos e suspirar; refletir em nossos olhares o brilho da sedução.

A atração é um clássico – atravessa as épocas sem sair de moda.

Bem que você poderia colocar uma rosa entre os dentes e dançar para mim. Tomar uma chuva de poesias...pés descalços, areia quente, pensamentos indecentes.

Não comece tocha acesa tocando fogo em tudo. Não tenha pressa, se puder queime aos poucos, pois temos ainda outros vôos ao pequenino planeta de um menino de cabelos de anjo, que compreende os amantes.

Em qualquer lugar, em qualquer época podemos nos encontrar e viajar. Uma paixão que pode ser rompedora, como um navio abrindo ao meio o iceberg – ao contrário do filme.

Estamos apenas nos conhecendo: eu a mim e você a si mesma.

Podemos nos perguntar: até que ponto podemos nos atrever? Há a vidraça transparente da realidade – não pode ser quebrada, cuidado!

Será um caminho para mostrar o que nos falta? Ou certificar-se de vez que tudo está certo em nossas vidas e que somos até felizes?

Eu sei, não somos mais crianças; só os jovens arriscam-se em sonhar. Só os loucos engolem-se nos estacionamentos de carros e pessoas circulantes; somente os repletos de eternidade oferecem a jugular na praia escura deitados e nus, querendo conversar com um pequeno príncipe estelar que desde 31 de julho de 1944 ganhou para sempre a companhia de Antoine de Saint-Éxupéry após levantar vôo de reconhecimento no Mediterrâneo para não mais aterrissar em terras de guerras –quando não estão no minúsculo planeta, estão no deserto conversando.

A paixão é para aqueles que se esqueceram de envelhecer.

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NOSSO ENCONTRO NO MAR


NOSSO ENCONTRO NO MAR
  Nilton Bustamante


Venha que o sol arde em mim hoje... 
Venha marola, mansinha e se estenda mais uma vez em mim.
Venha forte, onda grande, gigante, destrua tudo, bate em meu peito num estourar atômico, energia de prazer que nos fará calar, esticados, sem forças... 
E nas areias dois corpos semi-mortos, sorrisos indisfarçáveis a nos entregar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O TEU SURGIR



O TEU SURGIR
Nilton Bustamante

Uma nova estrela surge do Beijo Divino do Amor
Anjos em festa dançam
Anjos em coro cantam
O Amor, o Amor!

Uma nova estrela surge da Manifestação do Amor
Viagem lumínica, a Luz flui expansão
Anjos em túnicas de mil cores dançam
Anjos em túnicas de mil cores cantam
O Amor, o Amor!

Comboios com a Boa Nova em todas as direções
Exaltam quem acaba de nascer
Hinos das Ciências propagam
Mais um milagre da Criação
Glórias ao Amor, Glórias ao Amor!

Momento Eterno experimenta o Antes e o Depois
Sem tempo, sem refinamento,
Apenas pedra bruta
Atirada com a força do Criador
Para o giro formar mais um grão, mais um grão

Que planeja sua rota, sua ação,
Mais um embrião no ventre da Mãe Vida
Que nasce pedra, nasce planta,
No ventre-mãe nasce embrião, é a concepção

Nova estrela surge do Beijo Divino do Amor
Que ainda não sabe, precisa descobrir,
O Amor!
O Amor!

Depois de todas as viagens, todos os encontros,
Todos os desencontros, todas as caídas e sortes,
De mortes após mortes,
Ressurgir todas as vezes,
Pra servir, pra ser... o Amor!

Anjos em festa dançaram
Anjos em coro cantaram...
Era você que havia surgido, nascido do Beijo do Criador...
 .´.


Pais e Filhos   - Renato Russo
http://www.youtube.com/watch?v=Zr66vNx-tZQ&


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RUA SÃO CIPRIANO


RUA SÃO CIPRIANO 
Nilton Bustamante

Ando pela rua São Cipriano
Ando ao meio-dia, rápido, olho o que posso
Ando à meia-noite, devagar, bem devagar,
Mesma rua, mesmo trajeto, tudo igual, tudo diferente

Ando pela rua São Cipriano
Falando sozinho, rápido, olho o que posso
Ando à meia-noite, devagar, bem devagar,
Mesma rua, mesmo trajeto, tudo igual, tudo diferente

Meio-dia meus fantasmas lá estão, à meia-noite também
O barulho me enlouquece, ouço o que posso
O silêncio me ensurdece, esqueço e me coço
A mesma ferida que sangra, sangra, me cansa, me cansa



Escorrendo seus nomes
Escorrendo seus nomes
Esse incômodo, esse tormento não é uma fome qualquer

É falta de fé, falta de paz, falta de colocar prece no altar

Essa fome de poesia que minha alma insiste
Em digerir, ruminar, montar pedaços trapos
Não me deixam, não, não me deixam, 

Minha dualidade, meia-noite, meio-dia


Ando pela rua São Cipriano noite e dia, dia e noite,
Eu queimo meus pergaminhos e livros para me converter...


.'.
Lacrimosa - Mozart
http://www.youtube.com/watch?v=ga9JtmWbtTw&


.'.

TUDO O QUE ME FAZ SONHAR





TUDO QUE ME FAZ SONHAR
autor: Nilton Bustamante

O amor é mais que uma menina
Estrela matutina que queima a frio,
O amor é mais que mulher cercando sua presa
Caçando sem piedade, se queimando no cio...

O que passa além da flor da pele
Que deita em meu peito sangrando a entrega,
Enquanto tento ser poliglota de seus gemidos e sons?...

Antes que o silêncio engula a coragem
Ver você mais uma vez dar na louca, de uma hora pra outra
Vestir meu perfume,
Outra vez fazendo de tudo que me faz sonhar...
Pra logo mais eu ter que fingir
Que dormi pra não lhe ver partir,
Só pra nem mesmo eu me ver chorar...

O que virá pra depois de amanhã
Se a nossa palavra acabar
E o silêncio não nos sustentar?

...
Cavalleria Rusticana
http://www.youtube.com/watch?v=7OvsVSWB4TI

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

UM DIA DE SAUDADES


UM DIA DE SAUDADES
Autor: Nilton Bustamante

Hoje é um dia de saudades,
mas tanta tanta tanta é essa saudade que nem sei

Hoje é um dia de suspirar
ouvir Keane, lembrar dos contornos de seu rosto
até eu desaparecer em cada curva, e não querer mais voltar...

Hoje é um dia de saudades,
estou tão frágil, não consigo mais segurar
as palavras salgadas que seguem, escorrem em silêncio
um nó aperta invisível minha garganta, falta ar...

Hoje é um dia daqueles
que a vontade é tamanha, é gigante de ficar com você
ouvir o tom de sua voz outra vez, apertar sua mão na minha
assim assim... Andar por aí.

Você não vê, não entende?
será que está sentindo o que estou sentindo aqui?
A caneta que você me deu, deito seu nome e abraço... 
escrevo, escrevo, escrevo
saio à rua e não é a sua, ah, não é, não, não, não é...

Hoje é um dia de saudades
choro sozinho, baixinho,
é tanta, tanta, tanta essa saudade, essa vontade...
não consigo deixar de amar você, mesmo sabendo que não devo, não devo

Antes que eu tenha que voltar ao anormal
antes que a saudade deixe de vez me visitar
antes de eu chegar aqui com os dedos sujos de terra 
e pedaços de plantas às mãos
de quem quis se segurar em algo para se salvar antes de cair em algum vazio
eu preciso saber...

Ah, cadê as asas que estavam aqui?
Não estou conseguindo mais voar...



_________________________________________...
Keane 
https://www.youtube.com/watch?v=JugGmkvhsKQ






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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

AMY






















AMY
autor: Nilton Bustamante

Certa vez alguém disse:
“Imagina apresentar essa para a sua família: ‘− Mãe, essa é a Amy'! E na sequência, uma sonora risada"

 Sim, o álcool e todas as drogas cozinham o cérebro, faz aumentar o fogo, e o fogo a fogueira da perdição. O andar fica cambaleante, não sabe a direção. Faz qualquer plano desabar, beijar o chão.

Sim, as palavras perdem o sentido e o crédito, as drogas querem ser barcos da ilusão, viagens suaves fugindo da realidade que tornaram-se dura de mais... Corpos sem dono, intoxicados, envenenados, entregues, perdidos, à merce das desgraças, de todas as graças, risadas e chacotas, de todas as acusações, sem o abraço de qualquer compaixão.

Os "sãos", os "inteiros", os "corretos", tornam-se brincalhões, corneteiros, fazem esculturas, caricaturas das desgraças, de quem nem pode reagir, defender-se.

As risadas são muitas e as culpas dos caídos são todas, o dedo em riste dá a sentença, mas a mão amiga e a prece solidária não vêm junto, não se apresentam em comunhão.

Já não é suficiente desgraça de quem está em mórbido estágio dos vícios? Será que precisam de nossas insinuações e irônicas piadas?

De maneira geral, quando estamos em baixa, pedimos auxílio, pedimos aos céus, pedimos aos santos todos, ao Pai, à sorte, aos amuletos, a tudo e a todos. E como reagiríamos se víssemos outras criaturas nos colocando colares de latas, nos fazendo de palhaços, nos fazendo motivo de zombaria de todo tipo e sorte, motivo de absurda gozação?

Sinceramente, quem mais precisa de prece é aquele que está corroído pelos vícios que perdeu a noção de tudo, da própria existência, ou aquele que faz dos desgraçados objeto de tolas chacotas e finas ironias, que acha graça daqueles que estão mortos-vivos estendidos no chão?

Imagina apresentar para a família um desses últimos que faz ironias e caricaturas dos combalidos, dessa maneira: "Mãe, esse não é a 'Amy', é quem se diverte e ri da 'Amy'". Será que o gozador manteria assim, a mesma graça, a mesma ironia, o mesmo dedo em riste da punição?

Cada um que carrega o fardo de suas derrotas, não precisa de acusadores, nem de comediantes. Precisa do auxílio da compaixão, e a felicidade do alento de uma sincera e caridosa oração.

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Air Suite Nr. 3 (Johann Sebastian Bach)
http://www.youtube.com/watch?v=S25tlrvqP_8&













domingo, 16 de janeiro de 2011

IDADE MÉDIA DO ESPÍRITO


IDADE MÉDIA DO ESPÍRITO
Nilton Bustamante  (desdobramento em 16-01-2011)

Deus não pode ser responsabilizado pelas más ações dos homens, dos homens inconsequentes, quando todos nós possuímos o livre arbítrio, o poder em decidir, arcando assim com as responsabilidades desses atos, dessas ações ou inércias.

Todos nós temos aquela “voz íntima”, orientadora, amiga verdadeira, bussola presenteada pelo Pai. No homem há inteligência inconteste, o que falta na maioria das vezes é sabedoria. E só se chega à sabedoria através dos caminhos da humildade, dos bons aproveitamentos das vivências, e, principalmente pelo caminho do Amor.

O ser humano, muitas vezes, sente-se superior, mas por sentir-se de tal forma, já é sinal de orgulho canceroso. Nesse estágio, o homem procura somente satisfazer suas vontades inferiores tomadas de egoísmo e vaidades, acreditando ser "Senhor Feudal" de sua própria alma, causando arbitrariedades contra si mesmo, no fim das contas seu reino não será próspero. Buscar a vontade pela vontade e nada mais, prendendo-se em invisível fio nas instâncias animalescas será castigo auto imposto, onde o carrasco e vítima serão a mesma pessoa.

Deus colocou um Universo repleto de ensinamentos, mas, nem Ele pode viver por nós as nossas experiências, da mesma maneira que os pais não podem viver as experiências de seus filhos. Mas, oh, esperança das esperanças, quando tudo parecer perdido, acabado, não nos esqueçamos que há o longo das existências para, na pluralidade das vidas, no auxílio por nós das benditas inspirações, chegaremos somente ao acerto, experimentando algo perto da grande Felicidade, ensaiando os passos da harmonia completa com as Leis Universais.

Irmãos! Não nos esqueçamos que a invisibilidade da saudade de um pai, de uma mãe, pelos seus filhos é real, e de tão tangível chega apertar corações. Não nos esqueçamos o que se passa entre olhares de almas comunicantes − aos outros olhos tudo é invisível −, mas, quantos filmes, quantas imagens, quantas coisas passam de concreto. Assim também o é em nossas vidas que, aparentemente, só vemos desgraças, só sentimos infelicidades, acreditando que Deus se esqueceu de seus filhos... E, enquanto estamos reclamando o “distanciamento” do Pai, não percebemos que essa distância está em nossos olhares, em nossa visão, a visão de quem se preocupa somente consigo mesmo. Planta espinhos e quer colher flores, como pode ser?!. A mão invisível do Pai Eterno é atuante por nós desde antes de sermos na existência, antes dos tempos nos tempos.

Que possamos sair dessa Idade Média em que submetemos a nós próprios, e fazer dos nossos feudos até aqui espíritos encarcerados em celas de carne e osso eletrificadas pela dor, ou enquanto espíritos desencarnados doloridos pelos remorsos de feitos inglórios, para verdadeiros espíritos livres semeadores de Luz, Amor e Boa Vontade.



Antes de terminar este texto, já era madrugada, fui dormir. Pedi à sóror Joanna De Ângelis e a outros Irmãos da Espiritualidade bendita que me proporcionasse algo substancioso para terminar essas linhas, para deixar de forma mais didática algum ensinamento para todos aqueles que aqui pousassem suas atenções. E assim foi. Ao deitar-me, adormeci rapidamente, e em desdobramento levaram-me ao encontro de um amigo que havia desencarnado já algum tempo. Ele encontrava-se na idade média do homem terrestre quando seu corpo sofreu o ataque da esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa progressiva, chegando a óbito. Ele que havia carregado o peso de várias revoltas e contrariedades; revolta contra a doença, a ira contra algumas pessoas, inclusive contra seu irmão mais velho (que é grande amigo meu até nos dias de hoje). Ao deparar-me diante dele exclamei mentalmente o seu nome e ele me olhou. Ambos ficamos surpresos. Disse-me que já estava em franco progresso naquele lugar, já conseguia sentar. E o motivo era simplesmente por se livrar de parte do peso que ele carregava na alma: já não possuía a revolta contra a doença e não havia mais contrariedade contra o seu irmão mais velho. Respondi-lhe, simultaneamente, sempre mentalmente, que eu iria dar a notícia ao seu irmão. E parti daquele lugar, retornando ao meu corpo físico.

Ao acordar no mundo dos homens, liguei para esse meu amigo, dei as notícias e da necessidade da continuidade das preces que são pontes de Luz que unem corações.


Beijos de Paz e juntos com o Mestre Jesus nas pulsações da Eternidade!


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Luc Arbogast "Le roi a fait battre tambour"
http://www.youtube.com/watch?v=9J7KRfD1FF0&

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sábado, 15 de janeiro de 2011

PERSEGUIÇÕES QUE ATRAVESSAM OS TEMPOS



PERSEGUIÇÕES QUE ATRAVESSAM OS TEMPOS
    Nilton Bustamante         15-01-2011


Ao passar dos dias em nossas vidas, mal percebemos quantos "filmes" repetem-se de formas e ambientes diferentes, mas, no âmago basicamente há semelhanças, sérias semelhanças.

Diante disso, com o tempo, adquirimos bagagem suficiente para nos debruçarmos nos conteúdos e equipararmos situações, pessoas e comportamentos para elucidarmos questionamentos que nos perseguem ao longo da jornada.

Quase sempre sentimo-nos perseguidos por isto ou aquilo, por esses ou aqueles, que parecem existir somente para nos tirar a paz. Mas, a Engenharia Divina que a tudo elaborou no sentido de estruturar mecanismos para a evolução através dos tempos, de todos que pulsam vida e de toda a Obra, atua com sua mão invisível.

No que tange às contrariedades, os aborrecimentos e às ofensas, quase sempre os “perseguidos” possuem em si o imã das culpas nessa ou de outras existências. Contudo, independente de se procurar inocentes ou culpados, Deus é tão Bendito Professor que Ele nos proporciona (sem que percebamos, que ao sermos deparados com aparentes perseguições de ódio, ofensa, calúnias, falsidade, egoísmo, desdém, rebeldia, zombaria, inveja, e de todo e qualquer sentimento doentio) a bendita OPORTUNIDADE de reconciliação sem que se precise vestir a toga dos justos e dos inocentes. Feliz daquele que seguir com o máximo da certeza em direção ao Pai, em direção do Amor, em direção da Paz, em direção da Luz, em direção do Perdão, pois, pela graça divina, quando a "fera" enraivecida estiver em nossos calcanhares, estaremos todos sendo levados em direção de salutares energias e vibrações que abraçarão a todos dessa corrida ao encontro do grande despertar.

Aquilo que parecia ser tudo escuridão, tudo perdição, era, sim, perseguição à redenção de nós próprios, sendo uns auxiliares dos outros.  Não haverá perdedores, somente vitoriosos.

Antes de reclamarmos contra a vida, contra Deus, contra tudo e contra todos, acalmemo-nos e vamos clarear nossa visão e vislumbrarmos o horizonte além das inglórias lutas de constantes revanches, que intoxicam apenas os mesmos "filmes" repetindo-se de formas e ambientes diferentes, mas, no íntimo as semelhanças de elos rompidos de outrora, elos rompidos do amor, que precisam ser novamente restituídos, corrigidos, unidos ao coração do Divino Pai repleto de Amor Maior.

Perseguidos e perseguidores, não percebem, mas são estímulos entre si para saírem da inércia dos horrores para chegarem à reta final e, juntos, no entendimento do bem serem todos vencedores.

Viva a Engenharia Divina do Amor!

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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

UM ENCONTRO DE AMOR


(inspirado na música “histoire intime composition personnelle.
Dédicace à Laura de Saint Martin”)


UM ENCONTRO DE AMOR
 autor:  Nilton Bustamante

A gente nunca espera, mas se deseja há muito...
Um encontro de amor.

Estrelas em colapso perdidas dentro do peito
Emprestam todos os brilhos saindo pelos olhares
Como se nunca fora, como se nunca batessem asas
Em mergulhos pelos ares imaginando fossem profundos mares...

Um encontro de amor.

A capacidade do que era bruto e cético dobrar-se,
Render-se sem resistência, abrir feliz o calabouço,
Soltar tudo que busca a louca liberdade,
E conseguir fazer música, juntar palavras, fazer poesia e amar

Abraçar o abraço, fechar os olhos,
A sensação que tudo faz sentido, até viver
Um encontro em Saint Martin pra nunca mais esquecer...

Um encontro de amor!



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Piano composition - histoire intime
http://www.youtube.com/watch?v=VYDWtlEnrDc&
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UM DIA ASSIM


UM DIA ASSIM
Autor: Nilton Bustamante

Um dia assim como não se quer fazer nada,
a não ser viver.

Um dia assim,
persianas semiabertas para manter-se um certo ar,
um certo segredo,
um certo jeito em que a penumbra é bem-vinda.

Ficar sentado no sofá,
jogado sem forças pra mais nada,
a não ser pensar, pensar, pensar...

Um dia assim como não se quer fazer nada,
a não ser viver.
Entender o que se busca,
mesmo sem querer.

Não ser cego, mas não enxergar, como pode ser?
Estar-se acostumados a ver o comum,
mas o comum sempre some ao cotidiano dos olhos.
Foca-se demasiadamente os exteriores.
Ou por medo, ou por costume, não se aprofunda,
não se desce as escadas,
deseja-se facilidade pra tudo, corrimãos.

Procura-se saber sobre o solo, sobre as raízes,
mas não se pesquisa o quanto da seiva precisa para manter uma folha.
Busca-se o beijo,
como se cada beijo fosse a própria cama. Mas, o beijo é outro sonho,
mágico tapete que traz o frio de outros cantos,
outros encantos,
outros amores.

Quando o motivo é lançado no espaço,
num impulso na procura bumerangue
querendo o retorno de algo, ou alguém,
é busca,
é querer suprir algo,
o alimento que a fome necessita e muito mais.
É preciso sair de si.
Deslocar-se do ego ensaiando para entrar em outros campos,
adaptar-se,
qualificar-se ao sonho do sonhador.

Um dia assim como não se quer nada a fazer,
a não ser escrever.
Deixar alguma marca,
algum registro,
algum sinal de fumaça para quem quiser ver.

Um dia assim,
misturando claridade, noite e sonhos,
esquecer-se dos minutos que avisam, avisam, e não esquecem.
Melhor sentar na grama, meditar, jogar tudo fora,
quem sabe, contradizer-se,
buscar fotografias mentais para não se esquecer da própria existência.
Sentir-se personagem de muitas estórias,
na história dos tempos e dos acontecimentos,
ser apenas folha rolando com a ajuda do vento,
somente para ser algo, ser alguém.

Quanto da vida ainda, inflando os pulmões?
Quantas letras caindo dos céus?
Quantas meditações em azul néon?
Quantos suspiros entregando-se à ampulheta sem mais grão algum?
O que parecia que nunca iria passar, torna-se tão sem sentido. Tão esquecido.

Foi tão assim,
naves marcianas, pirilampos e fadas,
algo que a mente escrava dos mortais não poderão entender.

Um dia assim,
da alma persianas semiabertas para manter-se um certo ar,
um certo jeito em que a penumbra deixa penetrar alguns filetes de luz se aventurar.
Fazer de si tela de cinema, luz mostrando partículas de pó do tempo em suspensão
e seguir até aonde for possível,
até aonde conseguir ir...

Um dia assim,
persianas semiabertas,
como não se quer fazer nada, a não ser viver... de amor






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Pink Floyd http://www.youtube.com/watch?v=nDbeqj-1XOo
Pink Floyd - Us and Them

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O ÚLTIMO GRÃO DE AREIA DA AMPULHETA


O ÚLTIMO GRÃO DE AREIA DA AMPULHETA
                
Nilton Bustamante

QUERIDOS IRMÃOS,
APROVEITEMOS CADA INSTANTE NESTE PLANETA-ESCOLA PARA APRIMORARMO-NOS PELO CAMINHO DO AMOR, POIS, ASSIM, TUDO QUANTO PARECE DISTANTE VIRÁ E FARÁ PARTE DE CADA UM DE NÓS:
O ENTENDIMENTO DO 'OUTRO',
O ENTENDIMENTO DE 'SI MESMO',
PAZ,
HARMONIA,
TRABALHAR PARA A FELICIDADE DO MUNDO,
PERDOAR (ATÉ NÃO SER MAIS PRECISO. ATÉ NADA MAIS NOS AFETAR E NÃO MAIS NECESSITARMOS DO TOLO REVIDE)...


QUERIDOS IRMÃOS, 
QUE O SENTIMENTO DE CARIDADE NO SENTIDO DE FAZER O BEM, SER SOLIDÁRIO, VIVER NO PLURAL E SAIR DO SINGULAR, NOS LEVE ABRAÇAR AO PAI ETERNO, NOSSO DEUS ESPELHADO NA MÃO AMIGA ÀQUELES QUE FALTARAM AS FORÇAS PELO MEIO DO CAMINHO, QUE NECESSITAM DE UMA PALAVRA AMIGA, DE UMA VIBRAÇÃO POSITIVA E ENDEREÇADA PRECE SINCERA (LUZ EM EXPRESSÃO).

APROVEITEMOS, POIS QUANDO PASSARMOS JUNTOS COM AS OPORTUNIDADES NO ÚLTIMO GRÃO DE AREIA NO ESTREITO DA GRANDE AMPULHETA, SERÁ UMA ENORME DECEPÇÃO SE CONSTATARMOS QUE  INFANTILIZAMO-NOS NAS IRRESPONSABILIDADES, NAS DISTRAÇÕES COM O SUPÉRFLUO, QUE FICAMOS INERTES NAS APODRECIDAS ÁGUAS PARADAS, NAS INCONSEQUÊNCIAS DA VAIDADE, ORGULHO E RANCORES, ENQUANTO DEVERÍAMOS SIM EVOLUIR PARA O NECESSÁRIO AMADURECIMENTO E MELHOR APROVEITAMENTO DA 'NOSSA VIDA LETIVA', NESTE PLANETINHA-NAVE-ESCOLA-TERRA.
TUDO QUE HÁ NO UNIVERSO ESTÁ A  NOSSO FAVOR; DESDE A NATUREZA QUE FAZ PARTE DO NOSSO HABITAT, ATÉ O QUE ESTÁ ALÉM DE NOSSAS TACANHAS VISÕES E COMPREENSÕES.

MAS, FOI DADO TEMPO AO TEMPO. AINDA HÁ ALGUNS GRÃOS EM NOSSAS AMPULHETAS.

QUE FAÇAMOS AGORA, DECIDIDAMENTE, O INÍCIO DE NOSSAS (BOAS) TRANSFORMAÇÕES COM CORAGEM E ESPIRITUALIDADE, DOTADOS DOS MELHORES SENTIMENTOS QUE NOSSOS CORAÇOES PUDEREM PRODUZIR E EXPANDIREM.

"ORAI E VIGIAI" COM FÉ E ESPERANÇA!

JESUS CRISTO, OS PROFETAS ILUMINADOS E OS IRMÃOS DE BOA VONTADE SÃO NOSSOS MESTRES ORIENTADORES!

PAZ À TODOS!


.'.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

ANIVERSÁRIO

O homem velho solitário - Vincent Van Gogh



ANIVERSÁRIO
Nilton Bustamante

            Um velho senhor arrasta os pés em direção ao portão de sua casa. Difícil definir-lhe a idade. O seu aspecto senil parece resultar mais de maus tratos do que da idade. Ao peso que arca seus ombros alia-se a desmotivação.
            Passos e mais passos, sonolentos.
            O portão do pequeno quintal de entrada era do outro lado do mundo. Em silêncio reprovador, ouve o funcionário dos Correios com uma entrega nas mãos. Não reage. Não sente um mínimo de curiosidade. Nada mais neste mundo lhe interessa. Assina o recibo. Não responde ao agradecimento do carteiro. Mórbido, leva para dentro de casa uma pequena caixa. Um pouco pesada até. Pragueja. Não procura nem mesmo saber o remetente. Colocou o embrulho em cima da mesa da sala. Sentou-se e ficou ali, fitando sua visita. Na certa não recebia alguém, ou alguma coisa, o que quer que seja, há muito. O que se passava em sua cabeça, afinal?
            Sua casa, um grande cômodo, aos moldes de um loft, porém sem intenção arquitetônica. Apenas uma casualidade.
            Levantou-se. Foi até a pia - do que parecia ser a cozinha - e encheu, lentamente, um copo grande com água, sem, contudo, tirar os olhos, agora mais cuidadosos, sobre a pequena caixa. O velho, aparentemente de alma deserta, boca seca, secou junto até a última gota sem perceber. Ficou novamente sentado, com o copo vazio na mão, trêmula, olhando o intruso objeto, ou olhando o vazio. Quem sabe?
            Era um homem só e solitário. Sem amigos ou vizinhos que se importassem. A casa limpa de lembranças. Sem fotos. Sem memória. Parentes próximos não os tinham, ao que se sabia. Um cachorro tão velho quanto o dono; mal enxergava. Dormia profundamente, naquele momento, na única poltrona. O homem colocou as mãos apoiando as têmporas, vigiando o embrulho por longos minutos, com a cabeça pesada. Aquele acontecimento tumultuou o seu dia. Ele não se lembrava de nada de extraordinário que modificasse a inércia de seus dias, dos últimos anos.
            Tudo muito sem vida. Esperar a visita da morte, era a única rotina do dia-a-dia.
            Pegou seu canivete sem fio, e começou a despelar, folha por folha, camada por camada.
            Aquilo lhe deu um certo prazer. Papel de embrulho retalhado, logo depois folhas de jornal, e, como última epiderme, uma linda folha de papel de presente. Abriu a caixa com alguma delicadeza, e, agora, já com curiosidade mais evidente.
            Ao projetar sua visão sobre o conteúdo, suas pupilas cresceram em larga surpresa.
            Uma lápide.
            Sim, uma lápide. Não uma qualquer, mas, ao que parecia, a sua própria. Era de mármore, na forma de um quadrado de dois palmos, com espessura de poucos centímetros. Havia sua foto em estilo oval; inscritos o seu nome completo, data de nascimento – aquele súbito desassossego fez-lhe lembrar, afinal, que era dia de seu aniversário. Quanto anos mesmo?, pensou sem emoção alguma – e, por fim, a inscrição da data de sua morte. Mecanicamente, olhou para o calendário pendurado na parede à sua frente; constatou que a data de seu passamento indicada na lápide realmente coincidia dia, mês e ano com o instante que estava vivendo aquele absurdo.
            Incômodo tomou-lhe, de súbito, a alma. Um barulho na maçaneta envelhecida e malcuidada da porta de entrada da sala fez acordar o cão que dormia – pela aparência de minutos atrás, esparramado no seu melhor sono. Seus latidos eram firmes. Persistentes. Apesar de quase cego, seu instinto deixou-o alerta ao extremo contra algo, ou alguém, por detrás da porta. O velho colocou a lápide sobre a mesa, fitando ao mesmo tempo a maçaneta que girava disfarçadamente; segundos intermináveis, ruídos amplificados pela tensão.
            O velho coloca suas mãos ainda trêmulas sobre a mesa.
            O cão ensaia alguns passos de ataque.
            A porta, por fim, fica entreaberta.
            O velho senhor engole seco mais uma vez, olha arregalado em direção de alguém que se aproxima. O invasor chega lentamente, sem precipitação alguma. Quando bem próximo do homem velho sentado à mesa, o sinistro mostra-lhe a face. Em uma das mãos carrega um punhal e na outra um revólver. Com extrema lentidão, olhos nos olhos, assinala ao velho solitário, em linguagem muda, para uma e outra arma, dando a entender que era uma escolha a ser feita. Pavorosa escolha. O velho senhor, com as mãos ainda grudadas sobre a mesa, num esforço terrível, quase sem forças, entende a deixa, aponta com a cabeça na direção do revólver. O intruso aproxima-se mais e mais. O cachorro enlouquece de vez, mas sem coragem suficiente de tentar alguma investida mais decisiva e agressiva. Sem se importar com o cão, o visitante rosquea com delicadeza, quase de forma carinhosa, um silenciador na arma de fogo, volta por volta, sem barulho, sem tirar o olhar congelante de cima da presa sem ação.
            Ouve-se um som seco, e secamente cai o velho corpo ao chão, sem vida.
O cão em um lamento esganiçado deita-se ao lado de seu dono, sem saber o que lhe espera...

.’.