terça-feira, 13 de janeiro de 2015

ESPANTALHO DOS TEMPOS MODERNOS



ESPANTALHO DOS TEMPOS MODERNOS
Autor: Nilton Bustamante

Certa vez um moço parou diante de uma árvore (das poucas que ainda resistiam nesses tempos modernos) e riu quando pensou nos anos que alguém teve que esperar para ela germinar, crescer e virar adulta para dar sombra, beleza e frutos ao mundo; pois, o moço, em seu senso prático e visão da negação, materialista, imaginou que seria mais fácil e rápido construir estruturas metálicas cobertas de concreto que daria a mesma sombra, abrigo com uma certa estética e beleza.

Quando um pássaro pousou bem diante do jovem consumista, o mesmo pensou que poderia produzir em grande escala algum mecanismo sonoro que imitaria os pássaros, assim não se teria tanto trabalho em procurar pássaros para ouvir seus cantos, nem plantar árvores, plantas e flores para lhes convidar para outros encontros.

E uma jovem passou, olhou com certo charme na direção do moço e se foi. O rapaz, desconfiado, pensou de imediato que flertar, se relacionar, conhecer pessoas, dá muito trabalho, há muita exposição de si mesmo, melhor então ter alguém criado no tablet, na tela do computador, para lhe servir de companhia, na hora que precisasse, da forma que quisesse, sem se preocupar com sentimentos e nessas tolas coisas de amor. O botão de ligar e desligar estava ao seu alcance.

Depois disso, em uma noite qualquer, o moço dormiu e sonhou. Ele se via em um pequeno círculo, com uma também pequena multidão que envelhecia e não conhecia nada de sentimentos, de trocas, doações, entregas, tudo era prático: comprimidos para se alimenar, para emagrecer, dormir, morrer na hora que quisesse sem conflitos de consciência, sem se preocupar com o valor da vida; pois o valor era outro, era o quanto o cartão de crédito pudesse carregar, o quanto pudesse se expor nas telas sociais, o quanto o sorriso conseguisse ficar engessado para mostrar-se feliz, autossuficiente, sabendo que a Natureza era preocupação para o outro, outra geração que viria, que soubesse eles o que fazer; pois agora, na convicção do moço, não havia tempo para a demora em esperar germinar sementes e esperar crescer plantas e flores, nem árvores para colher frutos ou esperar a sombra de copas que alguém disse no passado serem frondosas. Nada disso. Nem o gosto do beijo, nem a dúvida do desejo, nem o mergulho em olhares profundos com perigos de não mais voltar, nada que desse trabalho e precisasse que fosse tão esperadamente humano.

E o sonho foi tão duro, tão concreto, do jeito que o moço sempre pautou suas questões, suas opiniões, que ele não mais sabia dizer se era a dureza do aço e o frio do concreto ou a transcendência da viagem da humana consciência, que ele se viu no meio de uma plantação de ferros, ásperos cimentos, opacos vidros e poucos paus; mas o susto maior quando ele se transformou no pior dos espantalhos: ele era um largado mostruário que de tão árido esqueceu-se de semear, plantar, cuidar de tudo quanto sua alma necessitou, era apenas um deserto em forma de homem que sempre teve pressa de tudo nestes tempos modernos e, agora, estava saturado, vencido, e a sua própria alma se foi, não mais aguentou, não poderia mais germinar sentimento algum para dar sombra e alimento a outro alguém, a um outro par.





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Pink Floyd
https://www.youtube.com/watch?v=ZAydj4OJnwQ
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