sexta-feira, 7 de novembro de 2014

CONVERSANDO COMIGO




CONVERSANDO COMIGO
Autor: Nilton Bustamante


Eu falo de mim, porque falo comigo o tempo todo

− Tento me conhecer −

Eu falo do mundo, porque falo com o mundo o tempo todo

Olho raso, olhos fundos e vejo que o mundo tem um olho em todo lugar

Eu acompanho tudo que se move, tudo que para, para aprender,

Saber algo mais, quem sabe alguma escada,

Alguma sacada − ideia ou mirante −, alguma ponte para o lado de lá?



Tenho pressa, mas minha pressa tem todos os tic-tacs do mundo

Uma hora é tempo demais, outras é certeza

Que não se tem nada,

Em algum momento é canção, dessas que a gente quer ouvir pra sempre,

Outra hora é bomba que ameaça explodir nas próprias mãos.



Não tenho mais tempo para aprender a tocar piano, nem pra cantar

Se bem que, em meus sonhos, canto e toco

Música clássica, ópera,

Pelo menos isso, essa outra dimensão, esse supra, esse inconsciente,

Esse sei lá o quê?,

Essas fatias,

Essas composições do solo que formam ao longo da existência todo o ser...



Tenho tempo para aprender o francês, mas a Aliança Francesa quer algo em troca,

E eu só tenho poesias, quem vai querer?

Não tenho medo do escuro, mas continuo ascendendo, acedendo interruptores

Cada vez mais altos

Cada vez mais a um dedo do alcance

Estico-me todo dentro de mim pra amanhecer



E não tenho medo da morte, mas tenho medo de me esquecer de mim

Tanto

Que falo de mim, porque falo comigo o tempo todo

Não sou sábio, nem tonto,

Quero aprender do que são feitas as palavras, esses códigos, esses ícones repletos de sons e sentidos,

Cada um desses portais

Que se abrem, que se oferecem, que se entregam

E eu tento entender pra saber o que há dentro e fora de mim

Se há algo que eu possa aprender, algo a oferecer...



Ah, preciso dizer antes que me esqueça,

Entrar nos olhos dos olhos de todos os olhares

Sem pedir licença, sem bater à porta, sem bater a porta,

Tenho curiosidade com esses brilhos

Tenho fascínio

Tanto pra viajar, visitar os lados intocados da alma,

Tanto pra ficar beira de lago, beira de rio e ficar olhando as águas passarem

E ouvir o que falam, o que tentam murmurarem...



E se um dia não encontrarem as palavras diárias, dos diários do mundo

Que tento escrever, que tento trabalhar

Construir algo

Ajudar algum sentimento se manifestar

É que me encapsulei, virei algum tipo de nave, fui cósmico dentro de cada ser ou não ser diante de um crânio de caveira

Pelo caminho

E fui da borboleta ao casulo, e me transformei em algum tipo de poeta vagamundo...

Porque tenho pressa, mas minha pressa é outra, não é deste mundo...







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Jean-Luc Ponty - Mirage

https://www.youtube.com/watch?v=bKkMvBvyqvE&list=PLA76222610C5A8B0A















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