quinta-feira, 18 de outubro de 2012

(RE)ENCONTROS



(RE)ENCONTROS
"Autor": Nilton Bustamante

Agoniza uma jovem em seu leito hospitalar e em um virar de rosto, como se não quisesse ver a própria morte, dá seu último suspiro. Falece.

Vai-se o último suspiro, vem o silêncio.

Naquela ausência de vida, o silêncio avança, alcança quem mesmo não quer nada mais. A agonia instala-se naquele lugar, naquele quarto de hospital, o silêncio insiste e permanece, não disfarça.

Passa-se o dia, entra outro e mais outro... o tempo flui.

Finalmente, como não poderia deixar de ser, reúnem-se os amigos da jovem que partira sem dizer adeus, da jovem que foi-se sem despedida em último suspirar dos pulmões, que outrora foram repletos de vida. Sem jeito de iniciarem qualquer tipo de assunto, numa distração qualquer a conversa começa de forma amena e, logo toma corpo da controvérsia. Das lembranças gentis, melancólicas, chegam os questionamentos, alguns aborrecimentos, algumas opiniões entre ranger de dentes... A maioria era também de jovens, com mais perguntas que respostas.

Uma moça mais frenética, fala, sem rodeios, à todos:
− Deveríamos tê-la avisado de sua condição, de sua doença, falarmos sobre o câncer. Pelo menos ela teria como lutar, do jeito dela, mas a chance de lutar! Mesmo quando o corpo está em desvantagem, a alma pode crescer e resistir...

Outro, interrompe:
− Não, foi melhor assim, pelo menos ela não sofreu além do que já sentia! Porquê deixá-la, naqueles dias, ainda mais com o peso da angústia de saber sobre a doença. De que valeria a pena? Em menos de um mês, da primeira dor ao falecimento, tudo tão rápido...

E assim, continuou, atritos de opiniões, o que deveria ter sido feito, e dito ou não dito nem feito...

Quando, todos já cansados, sem irem a lugar algum, resolveram, então, orar em favor da amiga que partiu...

Eu notei que as preces tornaram-se uma luz em expressão, condensada, irradiando de coração a coração o melhor que se podia sentir, amorosidade em favor da amiga. E aquela energia tomou forma, o suficiente para ser colocada sobre mãos que desejam doar. Nisso, todos olharam para mim, e num gesto sem pensar, sem ensaiar, sem mesmo antes desejar, abri minhas mãos em concha, receptáculo daquela energia, daquele “presente”, daquela "lembrança" de amor para ser entregue aos céus, em favor da jovem que passou dessa dimensão à pátria celestial.

Comecei a me elevar, sem asas; comecei a ir ao céu, sem medo, sem receio das alturas, cada vez mais e mais alto. E minhas mãos já em posição de oferenda, à frente, ao alto de minha cabeça, sempre em sentido retilíneo, ângulo de 90º graus... Até que “bati no céu”. Sim, algo interrompeu-me, mostrando-me que ali era o final da jornada.

Como pude “bater” em algo? Como poderia o céu ser tangível?

Quando, para minha enorme surpresa e alegria, percebi que eu estava em desdobramento, com a alma livre do jugo do corpo físico; vi que o céu, nada mais nada menos era a face, em largo sorriso, da jovem que partira...

Ela aguardava, feliz, o presente de seus irmãos-amigos antes de continuar sua viagem.

...

Vivaldi
http://www.youtube.com/watch?v=WX83BSR0mug



...

N.A.: esse texto é o relato do “desdobramento” que tive oportunidade de vivenciar em 19 de outubro de 2009.

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