domingo, 19 de setembro de 2010

NÃO FAÇO SONETO



NÃO FAÇO SONETO 
autor: Nilton Bustamante

Não faço soneto, porque soneto é para poetas que sabem das palavras os seus segredos. 

Não faço mais nenhuma poesia porque tenho medo de morrer, como quem morre de amor, sem remédio que lhe faça causa, que lhe faça cura.

Um traço da minha fé que ainda perdura tenta em algumas linhas minha última chance, ainda escrever madrugadas, ainda os sonhos, nas magias das noites o que o dia não pode ser. Mas, confesso, um medo, um terrível receio, um pavor, um torpor vem detrás dos sonhos que correm o risco de ficar ao longe, cada vez mais longe, o risco de deixar de existir...

Tenho medo, de escrever sobre o amor, sobre minha amada, porque de tudo – diz ela – apaga; porque de tudo – diz ela – guarda.

Queria eu que houvesse menos cuidado em apagar, menos cuidado em guardar, e deixasse livre o encanto que fizeram homens e mulheres de todas as épocas se perderem – e viverem – o amor.

Ah, o amor, algo tão suave, tão sublime e pesado; ah, o amor, algo tão delicado, tão grande, dualidade do encanto e do fardo...

Ah, esse gostar pela mulher amada é tão universal sentimento, descomunal, com vida própria que se esvai de dentro da chama e não se sabe pra onde; esse gostar, esse sentimento tão mal explicado, nada há que possa guardá-lo, acomodá-lo, nada, nada... Como explicar, como explicar?

Ah, essa feminina voz delicada do amor dentro de mim é prece; essa energia é bruma qualquer forma que os desejos ensejam para melhor falar dos enamorados e de suas luas. É delicado vício, é sua rósea flor sem grinaldas que se faz doce, se faz mel, feminina mulher que pede, obedece e se desfaz sem fôlego e dor...

Onde as estrelas que não ouvem meus pedidos?

Onde as cartas que guardam o instante da flor mumificada, no eternizado distante que fica sempre logo ali, a um estender de dedos, a um piscar de olhos, distração qualquer?

Não faço sonetos, não faço mais versos, errados ou certos, porque a cada dia que fica o longe do abraço, de cada beijo o deserto,
são palavras-universos que me deixam, morrem tristes dentro de mim. Tenho medo sim, tenho medo, um pavor que os meus melhores versos feitos para minha amada deixem de existir... Insisto, repito, cada palavra menos dentro de mim é menos um pulsar do meu coração a dar, e, em sobressalto fico, pois será o mesmo que me faltar os dias que haveriam de chegar.

Eu, longe de minha mulher amada sou aventura errante, é ficar distante da namorada minha que vê estrelas pela janela, que dorme sonhos sobre perfumado travesseiro; eu longe de minha mulher amada tudo se torna vazão rasgada e discreta, é antes em mim sofrida e terrível sangria. Melhor seria, menina minha, dormir serena, mãos dadas, e não se preocupar em adormecer, em não se preocupar em se entregar, pois, nesse instante, a última chama já valeria todas as viagens, valeria todo sangue de todas as virgens; valeria todas as despedidas, todos os encontros a sós, as idas ao mercado para comprar um gosto qualquer para trazer à boca, e responder a um carinho, a um sorriso seus, com outros mais beijos de amor...

Ah, se conseguisse eu abrir o tempo ruim, talvez brilhasse tímido raio de esperança, quem sabe minha vida se prolongasse, e uma maior vontade acontecesse de mastigar beijos, seios e sonhos, uma maior vontade de sugar completamente os segundos e acabar de vez com o tempo... Gostaria eu viajar mais entre janelas e estrelas que com meu amor foram muitas, foram tantas.

Não faço soneto, porque soneto é para poetas que sabem das palavras os seus segredos...

Se um dia, minha amada, não mais receber sílaba alguma minha,
não será esquecimento, nem desaforo, nem sinal que sofri.
Se um dia, minha amada, não mais receber sílaba alguma minha,
não foi porque não faço soneto, nem porque perdi sua foto,
nem porque deixei de amar... Foi porque meu coração não mais aguentou, foi porque morri.


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Alberto Nepomuceno - Suíte Antiga - Ária 
(1864 - 1920, um dos maiores compositores brasileiros, pianista, regente)
http://www.youtube.com/watch?v=UeAfKwIUocw








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Song from a secret gardenhttp://www.youtube.com/watch?v=UcXXpssBFVM&


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