segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O ANJO DAS OLIVEIRAS


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O ANJO DAS OLIVEIRAS
Autor: Nilton Bustamante
Acordar-se vivo e não saber.
Encarnar-se em restrições.
Crescer e andar até a próxima esquina permitida e imaginar a próxima curva. Fazer eco para ouvir até onde se poderia ir. Até onde vai o mundo. Assim eu girava planetário.
Dentro desse limite absurdo estava eu preso, quase inconsciente.
Alguns pássaros, alguns cavalos soltos provocavam toda minha falência, se desviavam das pedras lançadas pelo meu receio do diferente, ou por serem além da próxima esquina.
Nesse estado de calamidade uniam-se outras demências de difícil convívio. A pobreza humana aflorava-me, ainda mais o egoísmo, os ciúmes, as inverdades... Até o ponto de achar que o mundo acabava logo ali e o hospício cabia todo dentro, dentro de mim.
A sexualidade em seu desabrochar foi-me prematura.
Ao sentir-me afogado no mar da vida pedia respiração boca-a-boca, vinha o beijo. Nesse deserto do meu entendimento, na força da maré do crescimento encontrei alguém que estava com as chaves; usei-as e entrei em mim. Consegui atravessar a rua e do outro lado olhar-me sem espelho. Notei que carregava todos os efeitos das pessoas que fui – e sou – relacionadas em múltiplas vidas com os meus sentidos acústicos. Chegaram a ser personagens dos meus pesadelos e alguns encantos.
O homem que me deu a possibilidade da clareza era um anjo, de asas tortas, uns 30 anos mais velho chacoalhava-se em trem, trabalhava sem descanso, carregava seus traumas – infância difícil –, deu seus gritos, deu seus tapas, tomou seus pileques, mas superou-se seguindo com afinco a sua reforma íntima. Sempre trabalhador na seara de Jesus, com muitos amigos da Espiritualidade atuantes em tarefas diuturnas, foi o ser humano que mais se mostrou humanista pra mim; que melhor mostrou a delicadeza de ser; entendia a humanidade terrestre tal como ela é, dava-lhe o valor devido. Amava-a profundamente. Falou-me sobre a Santidade do Pai; apresentou-me a divindade que habita na essência dos filhos de Deus, a espiritualidade
– nada sabia eu.
Suas palavras poderiam ser duras ou dóceis, tudo dependia como meu íntimo as fariam ecoar. Sem dúvida, possuía o melhor método de ensinar poesias: ficávamos no interior dos interiores olhando calmamente os brilhos dos astros em noite amiga; nos centros das flores seguíamos; nas poeiras das estradas dávamos graças; abraçávamos árvores; ríamos da felicidade em fazer xixi na mata em noite fria – muitos professores poderão ensinar o que é poesia, muitos não saberão fazê-la.
Esse anjo disfarçado de homem, amava as pessoas como irmãos universais, orava por todos. Trabalhava espiritualmente tanto, que se confundia em que plano permanecia.
Seu tempo minguando, sua lembrança fugindo, nosso cordão se rompendo, e lá se foi o homem-anjo voltar para as estrelas que é seu lugar. Uma semana após seu aniversário, vieram me dizer que mais uma estrela nasceu em vinte e oito de dezembro de dois mil e três.
Na mesma noite, veio visitar-me – eu sabia que viria –, sem abraços, breve diálogo mental, diante dos meus olhos tornando-se cada vez mais novo até transformar-se em menino, criança, angelical, livre, sendo levado em companhia de um homem de vestes do tempo antigo, casaca e cartola, deixando para trás a mim, que agora sabe da existência de Deus, e da importância de todos os seres fazer poesias.
A oliveira deu seus frutos, dos frutos o azeite puríssimo que permitiu a chama de minha alma.
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N. A.: Homenagem ao meu mais amplo amigo, irmão, professor, anjo das oliveiras, e mais que um pai, Rubens de Oliveira.



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Adagio in G minor by Albinoni
https://www.youtube.com/watch?v=RkXmVB6-L8E
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