sábado, 1 de maio de 2010

BUENA VISTA SOCIAL CLUB


BUENA VISTA SOCIAL CLUB
Autor: Nilton Bustamante

Ternos de linho – ou qualquer um –, jovens que se esqueceram de envelhecer, chapéus Panamá – ou qualquer um –, sentam-se em cadeiras domesticadas.

A calçada é passarela à espera da noite que virá – sempre vem.

Os olhares no aparente vazio veem o que custa passar. Parece filme que ao chegar ao final, inicia-se em contínuo ritmo sem tempo de acabar. Cada qual entende o que outro sabe, o que o outro vê, e sorrisos nos cantos dos lábios, nos cantos dos olhares, despontam disfarçados.

Passa pelo caminho carrinho de mão, conduzido por mãos calejadas, buscam a direção de alguns trocados. E os sobrados são sombrios, são imponentes, morrem em pé, sem se deixar dar o gosto da terra. Um homem, sozinho, no terraço, equilibrando-se no vazio, parece falar com muitos, parece ouvir os mundos, parece sorrir como quem acaba de gozar, e por um instante a química da felicidade se esparrama corpo a fora. Logo mais uma mulher, fuma solene um charuto, vassoura às mãos, varre, varre, nada mais há para varrer, mesmo assim, ela continua – quando não há a entrega ao costume, há a fadiga. Carros antigos estacionados ao meio-fio estão mais para serem apreciados do que propriamente conduzidos, estão mais para não serem importunados em sofridas aposentadorias. Centenas de homens, outras de mulheres, pelas ruas à espera das migalhas das filas das filhas, das filhas, da Gran Revolución. Meninos, pés descalços, correm atrás do sonho esférico, chutam o mundo. Nas fronteiras das partidas suicidas, ondas insistem altas, querem espiar o que se passa na ilha, insistem, insistem... Mas, dão-se contra os paredões; os mesmos paredões aos que insistem ir mais além.

Há de se resistir, há de se abraçar com carinho a música, bebida da alma, para contradizer, porque tudo fica muito áspero, fica muito piada de mal gosto, a graça fica toda nas mãos dos senhores da terra, e a história já cansou de mostrar as mesmas letras, as mesmas insânias, que riem feito hienas com dentes de ouro reluzentes das bocas do poder.

Um homem para diante da câmera, fica estátua, personalidade, encara a lente, se faz de oficial de todas as patentes, e não se distrai. Outro, perto dali, roda um latão, faz pião, roda, roda, roda, mostra que sabe lidar com os movimentos, tudo ao alcance das mãos, menos das bananas que descarregam do caminhão. A fome ronda, ronda, ronda...

E os senhores, jovens que se esqueceram de envelhecer, pegam seus violões, contrabaixos acústicos, percussões, letras e poesias e sentida dor. Abraçam a noite namorada, e cantam, e tanto, e quanto podem, que fazem mesmo todos acreditarem que tudo ali foi feito com carinhosa encenação, serviu apenas como cenário para a música, para Buena Vista Social Club cantar para o povo se remexer, dançar e sonhar na areia do mar, as mesmas lembranças de tudo quanto ficou esquecido em noites sem-fim de verão.

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assista aqui:
CHAN CHAN: http://www.youtube.com/watch?v=UXwLBS3yUkA

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