segunda-feira, 10 de maio de 2010

GABBEH



GABBEH
autor: Nilton Bustamante

Horas e horas por telefone, foi tudo namoro, foi tudo gostoso, indescritível ‘quase-sentir’ de peles e almas a se esfregarem até o fogo consumir todos os pecados e tudo ficar sacro e santo. As juras e confidências foram tantas e tantas que os dias viraram noites e as noites em dias, entregas como nunca foram antes. Os corações apaixonados nunca testemunharam nada parecido, nada sentido como essa doce loucura.

Meses e meses passaram-se, e a demora ficou insuportável.

Por sorte, ou por algo maior, a cada incerteza querendo se impor logo era destronada por uma força, por um encanto que o casal havia experimentado e eternizado. Por fim, depois de tanto esperar os planetas se conjugarem – os deles e os planetas de tantas outras pessoas –, conseguiram marcar o primeiro encontro em uma sexta-feira, final de tarde, começo da noite, no aeroporto escolhido.

Ressoavam dentro dos amantes todas as palavras que marcavam o encontro sonhado. Seria o primeiro. Antes nunca se viram, assim, ao ponto de se tocarem.
Até então, tudo virtual.

Ele,
cuja alma foi revestida de poesia, sonhava e queria tudo em harmonia, mesmo com o vício de tapar o sol com a peneira, ficou sem sono, ficou sem fome, o peito repleto dos melhores momentos, dos mais gostosos desejos para a entrega, desejos de homem, com bruta vontade da mulher amada.

Ela,
cuja alma foi revestida de gentilezas, de harmonia, de atenções mil, ao ponto de não conseguir dizer não, engolir todos os sapos, somente pra não causar distúrbio, pra não entristecer quem quer que seja, mesmos àqueles que a consumiam sem entender. Ficou com os seios estufados, repletos de desejos como sempre sonhou, como sempre esperou o ser amado, desde quando a menina-moça tornou-se mulher-moça, e os dias viraram noite e se descobre a força do amor.

E chegado o dia, chegada a hora, após a aterrissagem da aeronave com o poeta colado à pequena janela. A musa esticando o pescoço para todas as pessoas que desciam naquele espaço de tempo em terra dos sonhos. O casal amante foi-se falando pelo celular, e num canto qualquer do aeroporto se viram, as pupilas se agigantaram para caber a figura um do outro, inteira, completa. E o silêncio tomou conta de todo aquele vai-e-vem dos viajantes.
Nada mais existia no lugar. Somente a musa e o poeta, somente a mulher amada e seu homem indisfarçavelmente apaixonado.

Quando bem próximos um do outro, ele faz um sinal para que ela parasse  –  ele já havia solicitado pelo celular que ela seguisse o que ele tinha preparado. Poderia chamar-se de ritual do primeiro encontro, da primeira vez, pois tudo entre eles, sempre foi especial, e esse momento não poderia ser diferente. Logo esse.

Ele trazia um pequeno tapete enrolado, e, com calma, o movimentou de tal jeito e forma que a peça de tramas se desenrolasse aos pés da amada. Era um gabbeh, com somente dois retângulos sobrepostos. A do retângulo maior, a cor era um bordô paixão, e o retângulo do centro, um clareado em ouro.

Ela, a musa, ficou em uma das pontas e na outra oposta, o poeta.

E começou o homem-poeta a falar, olhando sempre no fundo dos olhos de sua amada, as palavras vinham em tapetes mágicos, imaginários:

"Quando viemos a esse planeta, fomos pontos cardeais diversos, sempre inversos, e não nos encontrávamos, tínhamos nossos outros dias para apreendermos. Quando você era Norte, eu era Sul."

  – o poeta fez sinal indicando o outro lado do tapete para que ela, sua musa amada, ali tomasse lugar.–

"Estávamos sempre opostos. Mas, um dia chegou o momento, nosso momento, nossos olhares se tocaram e iniciamos o nosso alinhamento. Algo de grandioso gritou fundo em nossas almas, despertando o que deveríamos relembrar..."

–  De gesto calmo, o poeta leva a mão ao bolso, pega um envelope e retira várias pétalas de rosas champagne e distribui pelo tapete, estende sua mão em direção da amada, diz – :

"Um símbolo, uma alegoria,
vale mais do que mil palavras, mil ideias,
e esse tapete agora, é o corpo do nosso amor.
Convido-lhe para dar o primeiro passo em direção ao centro,
e aí permanecer"

– e a mulher amada, brilhos úmidos nos olhos, assim o faz -.

"Que o nosso amor, de agora em diante,
possa proteger e tornar mais delicado cada passo que dermos; que o chão da vida, seja-nos suavizado."

"E, eu, também, agora,
dou meu primeiro passo em sua direção
e fico junto contigo no centro desse amor."

"Somos agora um o centro do outro,
e não mais lados opostos."

"Somos agora, alma, mente, coração e corpo unificados,
com individualidades, mas unidos ainda mais, de vez. Somos no eterno do agora, o amor, o amor libertador que nos tornará estrelas em nossos céus!"

- Uniram-se num abraço, em sentidas lágrimas; os lábios experimentaram o que antes nenhum sabor ou temperatura foi igual, nem próximo, nem tão original. Nada mais existia naquele momento, o lugar era outro, outro portal. Alguns olhares furtivos ao redor ficaram sem entender, mas, no íntimo perceberam a beleza do momento,  respeitaram e alguns até esboçaram certa emoção. E assim foi, os novos amantes fizeram do tapete, magia. Magia de amor. Em sorrisos próprios dos adolescentes que há muito não eram mais, foram para o estacionamento do aeroporto. Entraram no automóvel, estenderam o tapete no banco de trás e se amaram, ali mesmo, enlouquecidos de amor...

O tempo não mais existia -.





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Flávio Venturini & Caetano Veloso - Céu de Santo Amaro
https://www.youtube.com/watch?v=zh1zCLjGK5Y 




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