domingo, 2 de maio de 2010

UCO 4111



(Eu sofri um infarto, fui para o “outro lado da vida” e voltei...)

UCO 4111
Autor: Nilton Bustamante
Eu havia esquecido de mim.
Eu havia me esquecido de que pertencia à Mãe Natureza.

O homem em sua modernidade passa acreditar somente naquilo que vê e convive. Só que não percebe que não existe nada mais avançado e tecnológico que o próprio homem, em seu conjunto. E as linhas de concreto formavam meu único horizonte. Não suportava mais a ideia de só acreditar na fluorescência das luzes dos ambientes, no espelho espelho meu − espelho mágico da tela do meu computador. A angústia da representação social, do consumo egoísta que leva mais dúvida à alma do que certezas. Tudo leva a crer que o efêmero é parceiro das conquistas contemporâneas.

Meu coração não aguentou, da mesma forma que a alma. Infartei!

Diagnóstico: “infarto agudo do miocárdio não especificado”.

O infarto é obstrução. Talvez rejeição. Impedimento dos fluxos que deveriam ser naturalmente livres para seguir os cursos designados pela engenharia orgânica. Leva o que resta do coração à morte súbita ou tardia. Clara manifestação da desistência do organismo em continuar na farsa de um modo de ser, sem vínculo com as origens transcendentais da vida. Sempre há um medo escondido. Por Deus, depois da parada cardíaca fiquei desacordado, ali à mercê dos médicos. Segui em espírito, indeciso, enquanto ouvia cada vez menos a voz da médica chamando meu nome para voltar. Cheguei em uma calçada. Pessoas, muitas pessoas, indo e vindo. Era noite. Eu não sabia o que fazer. Quando houve tempo do uso imediato do desfibrilador elétrico. Voltei ao mundo dos homens.

Por falta de uso dos instrumentos de Deus que habitam meu íntimo, de esquecer as prioridades dos planos mais sutis, eu, apenas confirmei que havia esquecido quem eu mesmo era, de onde vim e para onde deveria ir. Eu havia me colocado para fora de mim mesmo. Não me dava a devida importância, pelo menos não como eu pensava. Pois bem, após ser prontamente cardiovertido e encaminhado para angioplastia primária, foi-me colocado o “stent” com sucesso. A equipe médica efetuou os demais procedimentos médicos e fui levado à enfermaria. Após 48 horas, transferiram-me à Unidade Coronariana, leito 4111.

Ficou em meu sono profundo um certo sonho dentro de mim. Ficou uma certa suavidade. aogo que meu coração necessitava de humanidade, mas não essa das cartilhas, e sim, aquelas vindas das essências dos campos de Deus. Havia em mim a pergunta se eu já tinha observado e entendido o que são as trilhas dos animais? Trilhas de estrelas? O que elas me representam? O que elas me ensinam? Ficou essa afirmação que podemos apreender coisas surpreendentes mesmo com os olhos cansados e cristalizados pelo ceticismo. Que o ser humano necessita desses campos divinos, de suas flores, suas estrelas em céu de coração aberto, das observações da engenharia dos rios, dos movimentos da vida mineral, vegetal e animal. E que neste mundo hominal, terráqueo e “moderno”, o centro da valorização, infelizmente, ainda não é a vida humana. O homem não é respeitado e entendido como força da explosão-impulso demonstrado em sua própria formologia e essência. Este mesmo homem é símbolo, entre todos outros, da representação evolutiva da criação divina e bendita; o que é ainda pouco pesquisado e entendido.

E, seguindo esses pensamentos com jeito de lições, ainda me atentei que eu teria que fazer uma especial terapia. Nada de remédio, e sim uma pequena exploração, uma caminhada diferente, buscar outras maneiras de observação. Ah, mas essa maneira de observar não seria aquela que a sociedade moderna está acostumada. Nada de espiões que espiam ocupados com a vida alheia. Nada de satélites que espiam. Aviões invisíveis que espiam. Fronteiras que espiam. Poderes estatais e privados que espiam. Os muros e cercas que espiam. O chip que espia. Sectarismo que espia. Pois, tudo que espia no sentido de controle-dominador, isola. O que espia com essa intenção e sentimento, segrega. E de tanto espiar e ser espiado, para saber onde e como se vive, se é longe, se é perto, se é nobre, se é pobre, o quanto se ganha, o quanto se perde, como se veste, quanto amor se acumula, quanto desconjura, o quanto se é importante, o quanto se é atual, “in”, “clean”, “vip”, e todos os “plus” e “tops”, somente demonstram a vulnerabilidade da consciência torta. Os homens isolam-se em suas casas, em suas castas, em seus quartos, em seus planos, em suas síndromes e não se dão conta ou fingem diante de tanto concreto e desafetos. Precisam de céus e estrelas. Precisam amar para aprender a caminhar e reencaminhar sobretudo peregrinarem por lugares com nada de estradas, nada de trilhas visíveis. Buscaremos as trilhas de animais, sejam quais forem, nessas há marcas de sabedoria a apreender. Assim, caminharemos juntos aos elefantes, das formigas, nos jogaremos nas quedas das cachoeiras, nos largaremos nos movimentos das marés, nos abriremos juntos aos botões em flor, seguiremos o sol e à noite nos reuniremos em volta da fogueira para ouvir os conselhos contra os vícios de todos os tipos. Acompanharemos as forças da atração e coesão das moléculas. No reino mineral a organizarem os diversos e bem ordenados sistemas, traduzindo orientação e equilíbrio. No reino vegetal verificaremos as manifestações que se mostram mais avançadas: a fotossíntese ao representar expressiva aquisição, onde a molécula orgânica afirma-se e já propiciando elementos construtivos da escola evolutiva dos seres. Voaremos pelas trilhas das aves migratórias e saberemos dos rastros das estrelas.

Imaginei seccionar parte da visão dos céus, e feito um templo meditar e acompanhar a lógica, a movimentação, as energias, e o pulsar do universo. Diante do que me esperava, alegrei-me, pois que dessa experiência eu teria uma ampla possibilidade de ver o que os meus olhos nunca antes puderam pousar.

Imaginei mais ainda algo maior estava por vir...

As constelações nos ajudam a separar o céu em porções menores. São agrupamentos aparentes de estrelas que os astrônomos da antiguidade imaginaram formas de figuras de pessoas, animais ou objetos... Interligavam uma a uma, como se fossem pequenos pontos dos desenhos das revistas de quebra-cabeça dos dias de hoje. E para mapearem o estrelado visível, assim fizeram. Dessa maneira que conhecemos as constelações de Órion, Taurus, etc. Diante dessa exposição e de meu crescente interesse, senti que deveria fazer o mesmo que os astrônomos antigos, só que com o coração aberto para outras perspectivas, outros entendimentos, outras sensibilidades. Senti que deveria me lembrar naturalmente de todas as pessoas que eu tomei conhecimento em “toda minha vida”. Múltiplas vidas de minha existência, dos múltiplos reinos, dos múltiplos pais, dos múltiplos filhos, das múltiplas pessoas que amei, das múltiplas pessoas que odiei, todas, sem exceção, me ensinaram sempre algo que foi-me acrescentado... Estágios das pessoas amigas, pessoas inimigas, que fizeram bem, que fizeram mal, que foram indiferentes, aquelas que eu fiz bem, que fiz mal, que fui indiferente, que fui conveniente, aquelas que ouvira falar, aquelas que nem sabia que existiam, enfim, todas e tudo. E mais todos os insetos, todos os animais, todas as aves, todas as águas e suas formas, todos os minerais, todos os vegetais, todos os movimentos, todos os pensamentos, todas as oportunidades, todas as vibrações, todas as projeções, todos os sentimentos. Todos importantíssimos, verdadeiros prumos, maços e cinzéis, que ajudam na forma-conteúdo do que sou até o momento. Eu deveria pegar cada unidade dessas e interligar uma a outra, como se fossem estrelas. Cada “estrela” dessas, para mim, passaria a ter uma importância, um significado, formariam minha própria constelação...

E, já esgotado diante de tantas experiências, dessas interligações de pontos e estrelas, quando estava quase chegando ao final, uma emoção que nunca havia sentido, um colapso do pesquisador diante da descoberta: ao terminar de unir o último ponto, a última estrela, entendi o quanto foram e são significativos, o quanto são parte de meu crescimento evolutivo. A minha constelação que acabara de se formar, me mostrara nitidamente, a face de Deus.


___________

Nota do Autor: Infartei em 05 de novembro de 2005, porém sem nenhuma sequela, sem nenhuma necrose. Fiquei servindo de estudos aproximadamente durante duas semanas no INCOR.




.



Nenhum comentário:

Postar um comentário