sexta-feira, 23 de abril de 2010

A LÍNGUA DA ALMA

o pensamento do poeta..


A LÍNGUA DA ALMA
Nilton Bustamante

Converso. Converso comigo mesmo, o tempo todo. E muitas vezes penso ser com ninguém, penso ser com todos. Essas falas, essas formas que se avolumam em imagens após imagens formando páginas após páginas em livro interminável. A piedade que se confunde de atenção esperada, desejada em gesto de desespero. Um ato heróico, humano, que eu nem mesmo me permito, sinto a falta, sinto a falta, sinto... Essa tonteante realidade, que crio, recrio, com minhas vontades. O medo de viver, de se entregar, em discursos que falo, não faço, não faço e me engano.

Converso. Converso comigo mesmo, o tempo todo. E muitas vezes penso ser com todos, penso ser com ninguém. Essa coisa de morrer pra renascer, a cada momento, a cada tormento, de mudar o dia, mudar a noite, voltar pra semente em colo quente. Essa vontade de pular em águas sem saber se rasas ou profundas, sem saber nadar, buscar apenas o sentimento em acreditar ser possível... Ah, essa fala de palavras após palavras, sem saber o que dizem, o que expressam, cujas essências são incertezas da razão diante da intuição aventureira.

Converso. E o silêncio vem grande, vem enorme, canção sem cordas, sem voz, sem som. Num canto qualquer da alma, em um canto qualquer da sala, qualquer sala, qualquer canto, morrendo a palavra pra renascer a solidão. Ah, eu busco, busco alguém, busco desde longe, desde sempre, cada beijo mordido em isca sentida, ah, busco a isca, busco a isca... O desejo nascido do meu corpo esfregado, como lâmpada mágica, cumprir meus caprichos, feito alguém diante do solícito gênio da ilusão, sem saber o que pedir, sem saber pra onde ir... a dúvida dos rostos, a volúpia dos corpos, e a inutilidade depois do gozo, sem cigarro, sem um sarro, sem carinho, sem um olhar complacente, companheiro, de intimidade sonhada.

Converso. Converso com a vaidade do espelho, esse abandono das roupas pelo chão. As trilhas, as mesmas trilhas, mesmo filme repetido da poesia pensada e não vivida. Morte antes de nascer. Antes a sorte de sofrer as dores do parto, em divino momento humano, do verbo se fazendo existir, centelha de vida chorando o desespero da existência das possibilidades, dos pulmões inflando primeira vez, primeiro amor. Ah, eu quero tanto, tanto, conseguir limpar minha alma, em lágrima escorrida, única lágrima descendo dos olhos, morrendo na boca, matando a sede pela vida diferente daquela que se apresenta em falsa madame que não pode beijar nenhuma outra boca pra não se apaixonar.

Converso. Converso a angústia da partida. Dos dedos escorrendo uns dos outros, em contrária direção. Os ponteiros em perpétua condenação marcando as horas da escravidão. Ah, coragem da libertação... Onde essa coragem que os heróis ousaram? Mas, foi o medo, o terrível medo da fragilidade, a fragilidade do encontro da morte que os impulsionaram em suicida tentativa pro tudo ou nada. Fico de joelhos, solto todo o tremor do meu queixo que não consigo segurar, choro, corro de medo, porque estou aprendendo a ser eu, sem armaduras, sem histórias, sem memórias encomendadas, ascendendo os interruptores das luzes, cada vez mais ao alto... herói sem capa, que passa fome, frio, tristeza, mas, por sorte, começou a fazer poesia, alguma coisa sem rima, que começa a fazer sentido, cada vez mais sentida, sentida...

Converso. Converso para não esquecer o idioma, a Língua da alma e me sentir gente.

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