segunda-feira, 5 de abril de 2010

PESSOA NOTA 10


“PESSOA NOTA 10”
Nilton Bustamante

Chegou a “Pessoa Nota 10”, que, para tudo havia resposta na ‘ponta da língua’, e com toda a sua bandeira justa-causa, discursou para a platéia de uma só pessoa - uma pessoa simples que foi pega para “Cristo”:

- “Quando os papéis estão para serem distribuídos, quero o papel principal, penso na dramaticidade da cena mais difícil, os merecidos aplausos, o reconhecimento nas esquinas, enfim, sempre em tempo, o sucesso esperado por tantos atributos que possuo, por tantos momentos de dedicação a tantos...
Oh, trombetas, não tardem!
Abram-se caminhos sonoros para a passagem de minha glória, glória, glória! Nossa, fico todo arrepiado!
Oh, divisória do grande juízo, indique-me a margem direita dos justos reconhecidos e lá mostra-me os lugares marcados pelos meus méritos!
Se minhas palavras fortes cortaram as defesas frágeis dos despreparados, foi obra do meu sagrado direito de violar e desmascarar os meus contrários – que nunca reconhecem a minha importância e me são pedras pelo caminho. Se simbolicamente curro aquele que cede pelo medo ou pela necessidade, se me prevaleço de minha superior posição, foi porque assim a vida em equilibrada justa decidiu-se por mim, em clara demonstração de puro e imparcial reconhecimento. Não há dúvida da minha distinção, se as minhas preces são as que vão mais ao Alto; se minhas benemerências facilitam a vida de tantos outros; se o meu abraço merece somente outro igual e enriquecido abraço; se minha atenção negocia com o tempo, para dar-me o destino do maior filão; se o meu beijo faz Judas corar, não importa, o que importa é que sou preparado para esses tempos, sou ‘ligado’, sou esperto, até demonstro em praça pública a minha fé para que todos vejam – eu não consigo conter tanta coisa boa dentro de mim, e ficar-me incógnito; até negocio as minhas generosidades em troca de alguns latifúndios nos céus; até faço um semblante de tristeza diante das catástrofes televisivas, entre um comercial e outro - ah, como isso me faz me sentir tão melhor!. Como essa vida divina é por mim! E vai por mim, essas teorias de mesa de bar, que as classes sociais excluídas das partilhas das riquezas e preocupações das políticas nacionais, por séculos e séculos, influenciam diretamente no atraso da formação intelectual, da participação nas forças produtivas, formando assim hordas de seres alienados e alijados de qualquer contexto social e econômico, oras, bolas, vai ver se estou na esquina!...”

E, continuou com suas frases preferidas, ironizando:

“Cada um com seu cada um!”
“Cada um no seu quadrado!”
“Ema, Ema, Ema, cada um com seu problema!”
“Essa gente não estuda, mora mal, vive mal, e depois, ainda, reclama!”
“O morto de fome é vagabundo, mesmo”!
“Mora no barranco, depois vai-se tobogã abaixo na chuva, e depois reclama da sorte”!
“Ainda bem que os santos possuem colaboradores feito eu, aqui no condomínio”
“ governo que cuide dos outros e me inclua fora dessa!”
“Mané é Mané, sofre quem qué”
“Se quiser brincar, tem que ser a minha brincadeira”

Sem cerimônia, falou sem modéstia:

“As vezes, fico comovido, ouvindo uma música triste, fico mais sensível ainda, e me pergunto como pode haver alguém tão bom e bacana assim?
Eu me dou com as pessoas, só não com aqueles que me expõem, que vêm com espelhos, que me contrariam. O que eu quero, eu quero e pronto!
Nada dessa ‘balela’ de instituições co-irmãs que precisam de nossa boa-vontade; cada um que se vire; solidariedade foi nome de sindicato, não vamos misturar as coisas... Outro dia assisti a uma indicação ao prêmio Nobel, puxa, como não havia pensado nisso antes? Não seria má idéia, não seria não, já que os santos são meus amigos - eu peço em minhas preces para guardarem o que é meu e cutucarem meus inimigos para verem todos de joelhos minha vitória! E, ai se um desses santos não me atenderem, tiro-o da lista das minhas atenções celestiais... por que não me atender? Ah, não, isso não se faz! Se é santo, ora, faça seu papel, e pronto! Não dou moleza nem pro chefe dos santos. Tem que me atender. E tem mais, quando sou contrariado eu apago quem assim me fez e tudo que não quero ler, finjo que não li, não vi, não ouvi, não sei, não quero saber, fico bravo, vai pra margem dos invisíveis o infeliz. É melhor assim... Eu escolho quem habita meus pensamentos, meu coração. E, olha, não tem nada de alfinetada aqui, não, viu?! Eu sou muito correto, reconheço.

Voltando-se para a pessoa, simples, que lhe era toda ouvidos, disparou:

- “E, você aí, o que está olhando? Tá, você deve ser daqueles que acham que o grande aprendizado é a escalada da montanha e não propriamente o cume... O sacrifício é para os idiotas, melhor cortar caminho e ficar no alto de tudo, de todos, a cabeça comanda, o corpo obedece... essa é a pura verdade!

E, a pessoa que olhava simples, ouviu tudo, não disse nada, e continuou fazendo sua escalada dos dias que se apresentavam em sua jornada, equilibrando-se em suas próprias dificuldades, exercitando-se no aprendizado, tomando todos os cuidados, com amor, tolerando e entendendo as buscas e estágios de cada um.

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