quarta-feira, 28 de abril de 2010

TRAVESSIA


Madredeus – Ao Longe o Mar -   http://www.youtube.com/watch?v=lU6zbbjiefU


TRAVESSIA
 Nilton Bustamante

Travessia, deixando para trás lenços molhados pela dor do adeus.
De um porto a outro o abismo.

Travessia, deixando que o sonho de uma vida melhor fosse a única bússola.
As naus dos marginalizados pelas finanças, pelas famílias, pela política, pelos amores; a única saída.
O passatempo para poder-se viver, seria ousar na busca de um novo Sol.
Quantas almas salgaram os mares com suas tristezas; quantas almas ressecaram-se caladas, sem demonstrar.
Homens e mulheres buscavam um ideal para se prenderem, outros ficavam pelo caminho abraçados com a morte pestilenta. Às noites não necessitavam das estrelas para percorrer; já eram marcados a ferro, suor e lágrimas. A carta náutica, a rota, sangrava n’alma indicando o destino de cada um.

Nesta herança de valentia e fragilidade, buscas e esperanças, nos encontramos.
Caiu-me às mãos um mapa que tua alma desenhou. Sem latitudes e longitudes. Versos, muitos versos. Ocupei-me deles todos a percorrê-los com o mesmo cuidado dos nossos ancestrais argonautas, lusitanos. Eles, o sonho da nova Terra, eu, na busca do porto de tua alma.
As correntezas são muitas: Sensual, Insensatez, Sonho Impossível, Viver, Enigma, todos versos teus... Cada força natural destas nos leva a entender encontros, desencontros, vontades, desejos, alguns amores, alguns pudores. Versos, roteiro de tua alma.
A sentinela dos princípios não dorme, não se cansa, não se permite. Cai a lágrima em cima de veludos por não ter beijado a boca sonhada, de não ter misturado os suores em outros desejados. Salga a alma nesta sina marcada, secular.


Nesta ânsia, de vida revolta - só poeta - querer sentir o gosto de que fosses minha. Pensamento, passatempo... Um pouco do teu olhar, um pouco se houvesse encanto, um pouco de dor, um pouco de amor, um pouco do corpo pedindo... Um pouco de tudo, um pouco do teu mundo.
O papel já se desfazendo, a força da escrita permanecendo, permanecendo...
Leio mais uma vez estes versos, mapa tesouro, e perplexo fico. São tantas variantes e condições. A boa marinhagem nestas rotas se entreter, é ser antes de tudo poeta mais uma vez.
Ver com o coração, e deixar os olhos em paz.
Para chegar em tua alma nua nos raios de luar, prata e azul, somente poeta.
Para fazer-se pulsando desejos em tua pele, somente poeta.
Para ficar-se na proa, olhando a vida de frente, somente poeta.
Para ser teu, numa viagem, num suspiro, num soluço, num silêncio o beijo silêncio sem sentinelas, somente poeta.


Ir ao encontro da poesia, com mil olhares ancestrais, sonho de 500 anos, em nome de todos os casais que viveram em portos diferentes sem afeto, sem delicadeza, sem o perfume da suave nudez do amor. Ah, conspiração de mil vidas, de mil versos, mil vidas perdidas.

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