segunda-feira, 5 de abril de 2010

OUSADIA


OUSADIA
Nilton Bustamante

Alguém juntou-se espremido à cerca, mãos à cabeça, grita, grita, acena, faz cena, agita-se para ser visto, para ser palco, ser refletor, simbiótico pop estrela jogando olhares confetes, gestos supremos de reconhecimento de si mesmo, amarga sempre ao voltar ao ser normal, de se ver animal, ao se apenar da própria individualidade carregando um nome que lhe deram, carregando identificações que lhe impuseram, profissão que lhe disseram... e sentir-se, triste, insuficiente para carregar o vazio de não saber nem de si, nem de ninguém.

Mas, eu digo, deixo escrito, já deixei de me espremer à cerca, mãos à cabeça, deixei de gritar, gritar, fazer cena, agitar-me para ser visto, para ser palco, ser refletor, ser parte de outra parte para poder viver, deixei de querer ser maior que o grão, eu não sei o que é normal, quero curtir meu momento animal, e me divertir do individual perfil entre tantos que me distraem, carrego na pele qualquer nome, qualquer sobrenome que desconheço a procedência, qualidade que me deram sem me importar, eu quero mesmo é a profissão de viver e sentir-me diferente de antes para rir de qualquer vazio de não saber de mim, nem de ninguém.

Mas, você em que eu penso o tempo todo, eu digo, deixo escrito, esqueça tudo que ludibria a personalidade, deixe de querer ouvir estrelas – deixe que eu mesmo seja o dito pelo não-dito, esqueça Dom Quixote -, não me veja alucinada em furtivo beduíno sedento de aventuras pelos desertos de realidade – o deserto de qualquer coisa é torturante -, não me queira com diplomas se equilibrando pelas paredes duras, frias – de nada adiantarão para tanto -, não me prestigie nem me convide para as modas das comidas, dos tecidos, dos brilhos, das locomoções brilhantes de mil cavalos bravios, não me queira para ser brilho ou chaveiro, esqueça das ilusões que lhe vendi, esqueça tudo que lhe mostrei antes de querer ser maior que o próprio grão. Eu não sei quem sou, não sei nada de mim, lembro-me de hoje pela manhã estava voando com os passarinhos, chocando nos ninhos, e agora, em mim essa porção subatômica, essa solicitude, essa importância em ouvir corações - é tão inquietante ouvir corações e simplesmente deixar de se importar em gritar mais que as buzinas.

Se desejar mesmo compartilhar esse meu saber de nada, querer me amar até tarde, tarde das manhãs, tarde das tardes, tarde das noites, tardes das horas e dos minutos e andar pelas madrugadas e ser ave emplumada de frio acordando as manhas e as manhãs, achar graça das feras, dos cães e gatos que querem alcançar o que não podem, se desejar ser gente da gente ao estimular a vontade de escorregar o seu olhar dentro do meu e ver até onde se pode chegar nessas viagens que nunca são iguais as outras; não se importar de não levar medalhas de lata para não enferrujar o peito, apenas espalmar suas mãos nuas às minhas e nos sentirmos verdadeiros como o sangue o é pelos canais percorrendo por todo o corpo quando se há vida, se assim desejar viajar, compartilhar, seremos mais próximos, mais desejosos, em que se pode ser, seremos o que somos, até o que desejarmos, o que pudermos, na maior liberdade, na mais explosiva vontade que a verdade de nós dois puder ousar.

Saberemos apenas da alegria de nos sabermos, lado a lado, uma vez você será a noite, eu serei o sorriso; na outra eu serei o silêncio, você a descarga de tudo; serei as pernas correndo, você as mãos pedindo calma; seremos a ciranda torta, as trocas, seremos animais ruminando, seremos bicho-de-sete-cabeças, olhando os sete lados, seremos totalmente estranhos um ao outro, para logo mais trocarmos os papéis e recomeçarmos a rodar a roda... repletos de amor.
Não esperaremos nada um do outro, porque não se pode esperar nada de ninguém, quando não sabemos nem mesmo quem somos.

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